sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Asperger

 Asperger


Encontrei a porta entreaberta, no dia em que ela morreu... mas ela não estava lá dentro; eu já havia cruzado com seu corpo, entre as flores do jardim.

Nem tudo que morre, sucumbe.

Havia olhado, por muito tempo, para problemas que não existiam... e – obviamente – jamais encontraria solução para eles; mas eles persistiam em minha mente. Era como um medo de cruzar sozinho uma trilha na mata, em noite de Lua cheia. E todos os dias eles me desafiavam, e me deixavam confuso.

Meus problemas quiméricos, agora, estavam lá, aprisionados na mente, esmagando a beleza de um jardim que eu nunca havia percebido. 

Tenho dificuldade de olhar em seus olhos, em admitir a beleza ou expressar sentimentos afetivos, mas já foi pior... hoje eu consigo sorrir.

Um dia eu disse que não sentia saudades, que era algo vazio para mim, e você achou que eu estava brincando...

A vida toda eu tive que mentir, fingir, fazer de conta...

Quando eu passei pela minha mente, naquele jardim, pude sentir a dificuldade em abandonar todos os devaneios... eles faziam parte de mim.

Algum artifício fora preciso para que eu ignorasse minha mente – mesmo que ela ainda se mantivesse sempiterna, trazendo consigo a angústia da "irresolubilidade" do nada – e eu resolvi ignorar a mim mesmo. Naquele momento, eu abri completamente aquela porta. E, com certeza, ela sempre esteve ali, entreaberta, mas eu sequer cheguei a perceber o próprio jardim. 

A vida toda, estive na inércia psíquica... a insensibilidade que outrora fez de mim, invisível, agora faz de mim, irresoluto. Hoje, nem sei se isso é real, mas, até então, eu entendia algo que, aos demais, era tão invisível e ininteligível quanto eu. Minha visão de mundo estava além da inocência, mas não tenho mais certeza disso...

Quando abri, de vez, aquela porta, havia um grande espaço vazio, com um zunido muito agudo, ensurdecedor... Ao lado direito, pude ver a estupidez sendo exaltada e à esquerda, a inocência sendo explorada. Abaixo, o infinito reverberava tudo aquilo que a mim não fazia sentido. A impiedade tentava me esmagar, vindo de cima, disfarçada do mais perfeito contentamento.

Fiquei parado, na entrada, por um longo tempo...

Eu podia esmagar minha cabeça, ou seguir em frente.

O vazio faz, do tempo, inimigo. 

Eu podia enxergar, por vezes, até com certa clareza, sete portas, cada qual com dizeres sedutores, para mim... e alguém havia escrito com faca, o nome de um demônio, em cada uma delas. E eu já havia experimentado um pouco de cada caminho a que essas portas me levariam, mas não os entendia muito bem.

Quando, enfim, transpassei completamente, a porta, atrás de mim, bateu com força... ao lado desta, outras sete portas se fizeram presente...  era como um espelho, a refletir o que se via à frente; e, como em um espelho, o inverso.

Tudo ali me incomodava muito... e eu até tentei voltar... e nesse momento percebi que a porta que se fecha, jamais poderá ser reaberta.

Lá fora, deitada entre as flores do jardim, jazia minha infância, esmagada entre os devaneios, enclausurada em minha mente. 

Senti a pressão, vinda de cima, e o vazio abaixo dos meus pés. Olhei para os lados e vi a infelicidade de ser enganado, iludido e a estupidez a sorrir, absurdamente tola.

Ziguezagueei entre as portas e pude compreendê-las... era algo entre o bem e mau, distorções exageradas dos instintos básicos, uma visão abstrata da razão humana. Coisas que me levariam da ufania à compunção, da vaidade humana ao medo extremo incutido.

Pecados e virtudes tornam complexa demais a simplicidade da vida humana.

Abri todas as portas... mas não entrei, verdadeiramente, em nenhuma delas... e vivo aqui... nesse grande espaço vazio.



sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

O TEMPO NÃO PERDOA

 O TEMPO NÃO PERDOA 


Publicado em 27/12/2022

Coluna Via Poiesis

Jornal Folha do Sudoeste

Fco Beltrão/PR 


A rosa, cobiçada quando ainda botão,

Desabrocha e enaltece,

Encanta…

Quase hipnotiza!

Envaidece.


A rosa, símbolo de tanta virtude,

Sua essência prevalece,

Perfuma…

Quase inebria!

Ensandece.


Rosa…

Ah, rosa…


Ah, rosa…

Há quanto tempo,

Tão rápido,

Passou o tempo?


Ah, rosa…

És um coração espúrio!

Juventude perdida,

Incauta, ingênua…


Ah, rosa…

És como um piscar de olhos!

Energia que se apaga,

Utopia, devaneio…


Ah, rosa…

És um sussurro que ensurdece!


Ah, rosa…

O futuro sempre condena.


Ah, rosa…


E mesmo que tanto amada,

E mesmo que tão desejada,

Passa-se o tempo…

Perece…




domingo, 26 de junho de 2022

Euxesta - A Saga


Euxesta sp


Euxesta sp. "da 0:00h"


Ela veio e ficou...

Rodeou a base de minha taça,

balançou as asas, tremulou...

Com a ponta de um dos dedos, aproximei...

Tentei tocá-la, recuou...

Dei mais um gole, 

até parece... ela me olhou!!!

Com a ponta do dedo, uma só gotinha,

no guardanapo, bem ao seu lado...

eu sei... ela gostou.

O que ela faz aqui, não sei.

Um milharal é tão distante...

mas ela gostou do meu espumante...

Talvez queira ser Deus, 

por um instante...

Talvez, como eu,

somente admoestar um ignorante.

Talvez, enquanto Deus,

esmagar os intolerantes...

por um rompante...

ou apenas se entorpecer, sem fazer nada.

Seja o que for, que aqui a trouxe...

Bem vinda, companheira da madrugada...


...

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Euxesta sp.


Euxesta sp. "Ah, não! Ah... ok!"


Agora ela exagerou!

Tomou conta da minha taça...

aos prazeres, deleitou...

"Milho!? Uma ova!"

Para a vida plena, ela acordou.

Até tentei espantá-la;

ela voltou...

Rapidamente, eu percebi...

"Que direitos tenho, 

sobre a vida deste ser?"

É tão pequena, quase despercebida,

silenciosa como a noite,

e no silêncio, noite a dentro...

"curta seus minutos, e eu, os meus..."

Levantei-me, placidamente...

"Aproveite, talvez seja seu último dia,

de repente..."

Outra taça, eu me servi... 

e com ela, até brindei!

Com o tilintar, ela, assustei...

Agora eu sei... ela me olhou!

Rapidamente suas asas tremulou,

mas ali mesmo, parada, ela ficou.

Bem devagar, deitei a taça...

e deslizando pela transparência,

o líquido translúcido, rosé,

a brindar sua inocência,

a última gota a alcançou...

E ficamos nós, tão distintos,

egrégios da madrugada,

indiferentes às nossas diferenças...

por um momento, quase tive certeza... 

em meio a um gole tão minúsculo,

tão prazeroso, tão singelo...

carraspana, bebedeira,

talvez até um presságio obscuro...

sua dança trêmula, feito bandeira... 

Ah, ela olhou em meus olhos!

E algo, sei, ela quis dizer...

talvez um alerta...

Ou insulto?

Pouco importa...

se neste mundo...

um pensamento, por mais profundo,

tem um efeito tão vagabundo...

Ah, faz de mim seu confidente!

Conte-me, enfim, o que essa gente,

que tanto vangloria ser diferente

- "somos o bem... vocês, o mal!" -,

quer do mundo, pra si, afinal...

e que o resto, desgraçadamente,

lamba as latas de lixo...

angustiadamente...


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terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

UM CÉU IMERSO EM LAVAS


UM CÉU IMERSO EM LAVAS


Ando preferindo o inferno...

Na verdade, não acredito em nada disso... 

Energia que somos, sutil ou absurdamente condensada, um dia seremos dissipados...

A matéria é cíclica, a energia é cíclica, mas a consciência, finita.

Não acredito no paraíso... mas suponhamos que haja o utópico céu e o tão temido inferno... 

Pois bem... o que se descreve como Céu, das fábulas infantis à Comédia, de Dante, é deprimente, para mim. Aquela coisa toda de gramadinho verde, campo florido, céu azul de nuvens fofinhas, e toda aquela hierarquia angelical, com seus anjos, arcanjos, serafins e querubins (nem sei qual é a ordem!); o povo todo de branco, com aquele ar de uma felicidade tão falsa, que seria capaz de lhe agradecer por um soco no flanco... isso mais parece um episódio dos Teletubbies... sinceramente, prefiro as tragédias dantescas do inferno.

O Céu não seria para mim...

Gosto do barulho, do som forte e alto... gosto de uma boa cerveja e de um bom vinho; conversas bobas e despretensiosas... gosto dos prazeres mundanos. Prefiro os rebeldes e excluídos, aos puritanos de fim de semana. Prefiro os loucos e destemidos, aos tementes inconscientes... 

Este Céu sectário e classista não seria melhor que o inferno...

E se todos esses cristãos de internet, essa gente-de-bem politiqueira, os que se colocam acima de tudo e de todos, os que se acham herdeiros únicos da doutrina de Cristo, os que menosprezam as crenças de outrem, os que pensam que seu retrógrado padrão de vida é moralmente mais justo, mais certo ou ético que aos que experimentam padrões mais modernos de vida; se toda essa gente falsa, fútil e arrogante está com seus "pacotes" pagos com estadia divina eterna... desse Céu, quero distância. E, sendo assim, se o contrário disso tudo é o inferno... "Aloha", Capiroto!

Não quero sentar ao lado dessa gente arrogante, que deseja a morte dos fracos, o fracasso dos divergentes, o mal dos infortunados e a derrota dos desgraçados.

Minha religião é a vida, minha fé paira sobre as belezas naturais do mundo... minha igreja é a paz que habita em mim... quando há chances de ter paz. Eu sou o meu templo, minha indulgência é o ódio que por vezes ocupa o lugar da paz... e não, não há contradição; o ódio é a força motriz que supera o medo e suprime o mal... e aqui não há lugar para um deus iracundo e vingativo... minha consciência é meu guia.

Certa vez, sonhei com o Céu em chamas... e Deus estava lá, com ar sarcástico, olhando para mim...

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UM CÉU IMERSO EM LAVAS




domingo, 26 de dezembro de 2021

Quem é o cego?

Quem é o cego? 


O pior cego não é aquele que não quer ver...

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O pior cego é aquele que só quer ver aquilo que lhe convém.

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O real cego conta com uma abstração física da imagem, mas não mental.

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O "pior cego" exibe uma abstração totalmente mental... este enxerga, mas - de forma alguma - aceita aquilo que, mesmo absurdamente ululante, venha em desagrado ao seu ego, à sua falsa percepção de realidade.

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O "pior cego" é cego, surdo e mudo perante tudo que seja verdadeiro.

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O mundo do "pior cego" é uma fábula doentia.

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O pior cego



segunda-feira, 15 de novembro de 2021

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Muito do que sou hoje, devo a essas pessoas, essas bandas, seus poemas rodados em vinil, à velocidade suficiente para fazer-nos pensar... e pensar mais e mais... e a buscar por informações, a ler, a perceber, a agir... a ser... O Punk, acima de tudo, é arte. E arte é a base da capacidade de discernimento. Arte crua, nua, violenta na medida certa... clara, certeira... Alguém, há poucos meses, quis me convencer que a música passa por seu momento mais criativo... Hoje? Ah, tá... Vamos falar da nossa gente brazuca... e não do punk, mas de toda uma leva de bandas com algo muito, mas muito além de peitos & bundas... A você, que disse essa sandice, tenho a dizer, simplesmente, que nunca ouviu nada dos anos 80 e 90, que não fosse o lixo radiofônico de sempre.. só isso. Nunca ouviu Virna Lise, Vzyadoq Moe, Patife Band, Picassos Falsos, Mercenárias, Sexo Explícito, Skowa e a Máfia, Hojerizah... Os Mulheres Negras, Akira S e as Garotas que Erraram... Black Future, Cabne C, Defalla, Crime, Felline... Língua Chula... Você não sabe é de nada! Só isso... ...






terça-feira, 7 de setembro de 2021

CONSCIÊNCIA ABLASTÊMICA

 


CONSCIÊNCIA ABLASTÊMICA


A independência de um país,

Que a utopia alimenta.

Podem chamar de nação!

Mesmo que real fosse,

Liberdade não reflete...

Lábaros que ostentas, inibem!

Fronteiras aprisionam,

Tudo o que representa.


Prisioneiros é o que somos

Não se sabe, nem porquê...

Escravos sofismados, 

Submissos conformados

Independência, de que?


Se ao lombo de um jumento

Arriado detrás da moita

Sem brado, sem pompa...

Sequer as mãos limpas!

Cólica e diarreia, suando frio...

Nenhum explendor...

A verdade, sorrateira, nos açoita...


Independência, desde quando?


De bandeira, um breve epítome

Estamos verde, é de raiva

Amarelo à luz do medo

Azul cianótico, a inalar fumaça

Branco? Só se for de fome!

Não há estrelas que avistemos

Senão, das pauladas que levamos

Na faixa não há ordem...

E desde quando há progresso?


Terra abençoada?

Jamais a alma lavada...

Celeiro do Mundo?

Um pesadelo profundo!


Os gorjeios estão roucos...

A riqueza que mata de fome, aos poucos...

Ablastêmica semente da lucidez

Ávida paixão de loucos!

Psicose egoísta e dualista...

O céu da verdade...

Agora é cinza!

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domingo, 27 de junho de 2021

CONTAMINAÇÃO ALIMENTAR




(Textos publicados no Jornal Folha do Sudoeste, entre dez/20 e fev/21)


CONTAMINAÇÃO ALIMENTAR

Parte 1: A Contaminação Biológica


Em meio à pandemia, a novidade de uma doença que ameaça a raça humana camufla a existência de riscos potenciais, que, igualmente, causam grandes danos à saúde pública do mundo todo.

Estimativas dão-nos conta que 600 milhões de pessoas adoecem e 420 mil pessoas morrem por causa de infecções alimentares, anualmente.

Os alimentos contaminados criam um ciclo de doenças (agudas e/ou crônicas) que afetam, principalmente, crianças e idosos. Crianças abaixo de 5 anos representam 40% dos quadros de doenças relacionadas a contaminação alimentar.

Além disso, este problema sobrecarrega os sistemas de saúde, prejudicam o turismo e a economia.

A contaminação de alimentos acontece quando estes entram em contato (direto ou indireto) com substâncias ou elementos que normalmente representam risco à saúde. Isso pode ocorrer no campo, no produtor, caso haja a adição de alguns tipos de agrotóxico, principalmente em excesso, nas plantações, ou algum tipo de contaminação biológica durante processos de adubação ou irrigação; nos centros de distribuição, por falhas no armazenamento; nas indústrias ou em casa, por erros de higienização e manipulação durante o preparo.

A poluição ambiental, a falta de saneamento básico, as variações climáticas e temperaturas extremas também são fatores que favorecem à contaminação.

Segundo o Ministério da Saúde, existem – no mundo – mais de 250 tipos de doenças transmitidas por alimentos contaminados, sendo a maioria de fundo biológico, causada por bactérias, fungos, protozoários, vírus, algas, parasitas e suas toxinas.

Os principais sintomas causados por uma contaminação alimentar são: náuseas, dores abdominais, diarreia, vômito, desidratação, febre, falta de apetite, que podem evoluir para complicações diversas.

A sobrecarga de problemas gerados por estas doenças dificultam o desenvolvimento econômico de um país. Estima-se que o impacto da falha de segurança alimentar, principalmente devido a erros em estocagem, distribuição e manipulação, gera uma perda, aproximada, de US$100 bilhões às economias em desenvolvimento, por ano. Mas países desenvolvidos também apresentam índices alarmantes. Para se ter um exemplo, em 2011, na Alemanha, um surto da bactéria E. coli causou prejuízos de mais de 1,3 bilhão de dólares.

Dentro dos diversos cenários em que ocorrem a contaminação de alimentos, a maioria se enquadra nas categorias: biológica, química e física.

A contaminação Biológica é aquela causada por substâncias produzidas por organismos vivos: animais (incluindo Humano), vegetais e microrganismos (vírus, bactérias, protozoários, algas e fungos).

Para se ter ideia da amplitude dos riscos, em apenas 1 g de terra podemos encontrar mais de 100 milhões de microrganismos; uma única gota de saliva pode conter mais de 2 bilhões de bactérias; e mesmo a água que consideramos potável pode conter elevado número de microrganismos presentes... obviamente, e felizmente, nem todas são patogênicas, ou seja, capazes de desencadear doenças

Uma Bactéria mede, em média, de 0,3 a 2 μm (micrometro). Como exemplo, uma bactéria de 2 μm (2x10-4 mm), ou seja, 0,002 mm, enfileiradas em uma linha de 1 mm (1 mm dividido por 0,002 mm) resultariam em 500 bactérias. Em um quadrado de área 1x1 mm (500 x 500 unidades/mm) temos 250.000 bactérias (unidades/mm2). Dessa forma, em um cubo de 1x1x1 mm, o equivalente a um grão de areia, (250.000 x 500) temos 125.000.000 bactérias (125 milhões de unidades/mm3).

Um Vírus é ainda menor, cerca de 2 a 6 vezes menor que uma bactéria, medindo de 0,05 a 0,90 μm (caberiam mais de 250 milhões de unidades virais em apenas 1 mm3; ou, para ser “otimista”, aproximadamente 700 milhões em uma única gota de saliva).

O corpo humano contém, naturalmente, mais microrganismos que as próprias células que o compõe, ou seja, de 10 a 100 trilhões de células e de 200 trilhões a 2 quadrilhões de micróbios. Essa “flora” é vital ao nosso organismo, estando diretamente relacionada a diversos processos metabólicos (a digestão, por exemplo) e de extrema importância para nossa resistência imunológica.


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Parte 2: A Contaminação Química


A contaminação Química ocorre quando os alimentos são submetidos ao contato – direto ou indireto – com substâncias e/ou reagentes químicos. Estes contaminantes podem ser de origem natural ou artificial.

A presença de compostos químicos estranhos ou de toxinas produzidas por microrganismos causam sérios danos à saúde publica mundial, com o agravante de quase sempre passar despercebida como causa primária, muitas vezes causando danos metabólicos de fundo crônico.

As contaminações químicas podem advir da própria matéria-prima, oriundas de substâncias usadas na produção agropecuária ou de contaminantes ambientais, ou de sua própria constituição; podem ocorrer de falhas no transporte ou armazenamento; por contato direto ou mesmo do próprio ar. Falhas no manuseio, durante o processo fabril, podem submeter os alimentos a diversas substâncias químicas que podem ocasionar graves contaminações.

Mas não para por aí... Mesmo após a industrialização ou distribuição de alimentos, encontramos muitas possibilidades de riscos. Isto pode ocorrer em depósitos ou prateleiras de supermercados ou na própria residência do consumidor. Muitos produtos de uso doméstico são possíveis meios de contaminação. Produtos de limpeza e higiene pessoal, aromatizadores de ambiente, inseticidas, produtos de jardinagem, medicamentos e outros, usados na própria residência, podem causar graves contaminações dos alimentos.

Outra fonte de contaminação química muito relevante são as embalagens e utensílios utilizados indevidamente no armazenamento ou preparo dos alimentos. Plásticos, isopor, metais, papel e até mesmo utensílios de madeira podem liberar moléculas ou compostos químicos perigosos, por reagirem com o calor ou frio extremo ou com outras substâncias usadas (vinagre, por exemplo) ou, ainda, com a composição do próprio alimento; ou por liberarem naturalmente moléculas tóxicas, como é o caso do alumínio, um grave contaminante causador de danos crônicos.

Substâncias geralmente presentes em alimentos industrializados, como corantes e conservantes, também são perigosos para a saúde. Não podemos aceitar que, pelo simples fato de estarem de acordo ao permitido, seja “atestado de segurança” e que não nos causem problemas. Podemos classificá-las como contaminantes sancionados, até porque muitos poderiam não estar presentes – como é o caso de corantes usados em cápsulas de suplementos alimentares – ou estar em concentrações significativamente menores. E estas substâncias, por fazerem parte do processo, dentro das indústrias, podem vir a exceder o percentual tolerado ou atingir outros produtos, que normalmente não os conteria, por falhas de manipulação ou acidentes.

As toxinas naturalmente geradas pelo próprio alimento devem ser consideradas e compreendidas. Essas substâncias naturais podem causar sérios problemas e são mais frequentes do que se imagina. Podem ser produzidas por microrganismos ou pelo próprio alimento, como os Glicoalcaloides produzidos pelas batatas, por exemplo, que poucos conhecem, mas que podem representar sérios riscos de saúde, por atingirem o sistema nervoso central. Estes glicoalcaloides estão contidos, em maior concentração, na casca e nas brotações, e geram uma coloração verde, quando em concentrações mais perigosas.

A contaminação química, ao contrário da biológica, é muito menosprezada e pode representar sérios prejuízos à saúde pública, muitas vezes de fundo crônico e desconsiderado, podendo levar a casos de reações alérgicas, a danos hepáticos, renais, hormonais e danos neurológicos severos, aumento no risco de doenças degenerativas e até o desenvolvimento de câncer, podendo levar à morte.

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Parte 3: A Contaminação Física


A contaminação Física é aquela que ocorre quando um objeto ou corpo estranho – ou partícula não pertencente aos ingredientes – acaba entrando em contato com o alimento. Isso pode apresentar um risco adicional de trazer algum tipo de contaminação biológica ou química.

Dentro do processo produtivo, diversos materiais, usados ou não na produção ou manipulação dos alimentos, podem liberar partículas e acabar agregando-se a estes.

Coisas de uso comum ou mesmo totalmente estranhas aos processos, como fragmentos ou pedaços de algum utensílio ou peça de máquinas; partículas de vidro, madeira, rochas, areia, metais, minérios, plástico e papel; cabelo, unhas e pelos; fragmentos de plantas ou insetos; ou mesmo partes extraídas de alguma matéria-prima, como cascas, galhos ou ramos, folhas, ossos, sementes... até mesmo adereços ou peças de vestuários, como alianças, brincos, botões e outras partes que possam, acidentalmente cair durante o processo de fabricação ou preparo. Tudo aquilo que não faz parte do alimento ou de seus ingredientes é um corpo estranho, uma contaminação física, que pode representar diversos graus de risco.

A contaminação física, dependendo da matéria, pode, também, gerar uma contaminação química, por produzir reações e liberar ou gerar substâncias tóxicas; por isso, a atenção e controle no processo produtivo ou de preparo dos alimentos, mesmo em nossas cozinhas (preparação doméstica), é muito importante. É comum o uso de utensílios plásticos em nossas casas. Determinados materiais não devem ser submetidos a temperaturas extremas (calor ou frio) ou mesmo levados ao micro-ondas, pois podem liberar substâncias tóxicas, como é o caso do Estireno e do Bisfenol-A, substâncias altamente alergênicas e cancerígenas e que podem causar uma série de distúrbios gastrintestinais, metabólicos, imunológicos e neurológicos. O uso destes materiais requer cuidados. Geralmente, mesmo que se conheça esses riscos, as pessoas pensam que se trata somente da exposição ao calor e acabam submetendo estes utensílios ao uso para congelamento de alimentos, o que causa o mesmo dano.

As contaminações físicas podem levar a riscos diretos, relacionados à ingestão de partículas, que podem causar desde danos dentários, até problemas mais sérios de obstruções, lesões ou perfurações do trato digestivo, podendo até mesmo atingir outros órgãos.

A presença de corpos estranhos pode simplesmente descaracterizar um produto, gerando repulsa ou rejeição pelo alimento.

O impacto causado por um eventual descuido ou falha de produção ou manipulação de alimentos pode ser grave e causar danos à saúde individual ou coletiva ou mesmo causar prejuízos à empresa.

Por muitas vezes, a contaminação física está associada à contaminação biológica, pois não faz parte do processo, podendo representar um risco ainda maior.

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CONTAMINAÇÃO ALIMENTAR

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quinta-feira, 24 de junho de 2021

TEMPO PERDIDO



TEMPO PERDIDO


Ah, tempo...

Há quanto tempo

Não tenho tempo

Para valorizar o tempo 

Que perdi, por muito tempo

Esperando o tempo

Certo de que o tempo

Um dia, a contento

Dar-me-ia tempo

De sentir

Na alma...

O tempo...


>< <> ><


Tempo


sexta-feira, 18 de junho de 2021

A CHIBATA DO TEMPO


A CHIBATA DO TEMPO


Texto publicado no Jornal Folha do Sudoeste - Via Poiesis - em 15/06/2021 

http://jornalfolhadosudoeste.com.br/2021/06/15/a-chibata-do-tempo/


        Quando nasci, o ano da morte do filho* do lixeiro e da empregada doméstica, que, com sua genialidade, por volta de 1929, respondera, em versos, a uma questão de uma prova de Física, pude sentir todo o ódio do mundo. Soube disso, obviamente, muitos anos depois, mas sei o que senti, pois esta seria a carga que me deprimiria por toda minha vida. Fui uma criança de poucos sorrisos.

        Quando se tem cinco anos de idade, o mundo é muito estranho... e o prazer e o medo andam lado a lado. Uma mudança nunca é confortável... e quando se é criança demais para entender os porquês, e o sofrimento - e a angústia - e a grande preocupação dos pais sai, feito suor, pelos poros, o trauma por medo é carregado feito chumbo... torna-se um peso para a vida toda, que vez por outra vem à tona. Eu lembro exatamente do dia em que chegamos àquela vila... a madrugada era fria... não sei se para o corpo... ou para a alma.

        O amor havia, mas, por longos anos, fora suprimido pelo mal. Este, sem piedade e sem qualquer remorso, castigou-nos por longos e penosos anos... dias de amarguras, de tamanha carga negativa, que era possível senti-la no ar. Algo tão denso e viscoso que uma navalha poderia cortá-lo; mas a regeneração do mal era certa. Um verdadeiro choque na alma, que, aos conscientes, não seria apaziguado tão cedo.

        O amor, sim, havia... e até salvou minha vida quando a medicina dissera que eu estaria mentindo; "pura manha" foi o que ouvi, ao longe... foi quando, ainda aos sete anos, descobri o que era arrogância.

        Vivi dias maravilhosos também... muitos! Havia uma liberdade livre das atribuições ou atribulações do medo, uma animosidade suprimida pela inocência. Mas os dias sublimes eram recheados de subtâneas e injustificáveis vergastadas que não habitavam somente os pesadelos. E os pesadelos eram recorrentes... e vivos!

        O amor, quase que compulsoriamente, havia; mas não havia tempo de expressá-lo... os dias eram difíceis... muitos encargos diários que não cabiam em um só dia. Os sentimentos foram suprimidos pelas dificuldades cotidianas. Quando não se vence o sofrimento - as angústias - o coração empedra-se. É acrimonioso o coração de quem pena.

        E a vida seguia seu curso... e os pedaços de mim perderam-se pelo caminho... e pelo tempo... e nunca mais eu pude resgatá-los.

        Como os anos quebram-se, feito vidro ao cair ao chão!

        O tic-tac do relógio - coisa que não existe mais na vida das crianças de hoje - incomodava-me muito, e não adiantava em nada pará-lo... o tempo não obedecia às minhas vontades, o tempo empurrava-me com força.

        O ano era 1979... e aqui, eu desceria um degrau em minha relação social. Uma outra mudança repentina doeu muito, e muito ficaria, definitivamente, para trás.  O choque cultural, as malícias que eu não conhecia; o ludíbrio moral... a falta de tudo que não coube na mudança, e jamais caberia... o âmago; conquista de um espaço abstrato entre a dor da lapada e a liberdade da inocência. Até esse momento, eu precisava apenas ser eu. Esse era o único valor que realmente importava... tudo, e todo o resto fora da essência do ser, eram apenas futilidades, mundanas demais para serem relevadas. E agora, tudo mudou. O avesso da alma desnuda...

        Entendi que estaria sozinho... a sensação daquele momento poderia equivaler-se a estar trancado em um quarto escuro com um tigre.... e eu não tinha escolha.

        O amor, à distância, havia; mas não se podia sequer ouvi-lo. Eu não estava só, mas éramos três crianças, inconscienciosamente aos cuidados de outra. Cem quilômetros foram estabelecidos para que pudéssemos estudar... e não havia nenhuma forma de  contato. Viver sozinhos foi a única opção de "vida melhor"... um quase abandono obrigatório por circunstância única. É difícil compreender, mas fora um desarrimo por amor. Expressão única, personificação abstrata. Sim ou não, amor deve ser o que vocês acreditam ser Deus. Eu, no entanto, não compreendo amor, tampouco Deus. Eu aprendi a olhar o mundo por mais de duas perspectivas, mas a superficialidade eu via em todos os outros, para onde quer que eu olhasse.

        Só uma coisa mudou, naquele momento, para melhor... e, por algum tempo, eu sequer percebi. Foi aí que aprendi que o amor desfere chibatadas, com maestria.

        E eu odiava ouvir a Rita Lee... "nas duas faces de Eva, a bela e a fera"... esse era o sinal de que chegara a hora de ir para a escola. Naquele momento, a escola não era um lugar confortável para mim... lá eu apanhei, fui humilhado, roubado... fui excluído por ser pobre, rejeitado por ser forasteiro; ninguém sabia da minha origem, nem conhecia minha família. Para eles eu não tinha nada a oferecer e, obviamente, isso incluía nada mais que matéria.

        A escola era pública, mas havia uma divisão de classes absurda e eu estava exatamente no meio da balança... rejeitado, por um lado, por não ser tão pobre, e por outro, por ser pobre demais. A timidez, naquele momento, não me ajudava em nada... e a introversão, muito menos.

        Hoje, até agradeço... talvez, tornar-me-ia apenas mais um ser volúvel, persuadível, de extrema futilidade. Afinal, é caindo que se aprende andar... as dificuldades trazem valor à vida. Agora, entendo a efemeridade daquele tapa social e o bem que a dor trouxe para a formação de minha personalidade... mas, à época, um ano era interminável... e a dor era intensa.

        Muita coisa rolou, durante seis anos... o bem e o mal trilharam abraçados... amantes, absurdamente, inseparáveis. Descobri que o bem é - quase sempre - frágil... e o mal - sempre - a personificação do próprio Mal.

        1984 foi um ano limítrofe, e eu sequer havia lido Orwell... e uma sensação anárquica fervilhava dentro do meu eu.

        No ano anterior, muita coisa anunciava o que viria de mim... eu estava cansado. As chibatas do tempo, as feridas abertas na alma, as máculas de uma vida inteira, são as forjas que moldam a personalidade... efígie gravada na consciência.

        A virada de ano trouxe, com apenas mais uma data, um novo eu. A timidez e a introversão continuavam a existir, como existem até os dias de hoje, mas eu as esmagara debaixo de toneladas de ódio, jogadas no porão da mente. Mesmo subvertendo meu próprio ser, jamais fui falso, sempre fui verdadeiro, apenas havia suprimido angústias e medos.

        Nesse momento, descobri que eu poderia ter algo a oferecer... e percebi que a cultura e o conhecimento poderiam ser armas para conquistar o meu espaço, mesmo na mais leviana sociedade... e que isto teria um valor inestimável, mas que ninguém - jamais - poderia roubar-me.

        Ouço vozes o tempo todo... não é insanidade! São lampejos da razão... centelhas de uma vida inteira, plasmada no que realmente sou...

        A dor deu lugar ao juízo... as feridas da alma, transmutadas em pura lucidez; a prudência é a mão em meu peito... que agora, empurra-me contra o tempo.

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* Carlos Marighella nasceu em Salvador, em 1911; filho de Augusto Marighella, um imigrante italiano, e Maria Rita do Nascimento, negra e filha de escravos. Antes de tudo, e - talvez - mais importante que quaisquer de suas ações, Marighella era um grande poeta. A poesia é a força motriz da consciência ativa, base de qualquer revolução. Foi preso por uma de suas poesias. Foi torturado por pensar. Marighella foi morto a tiros, em uma emboscada, no dia 04 de novembro de 1969. Se foi um herói ou um vilão, não cabe a mim julgar... enfim, essa não é a história de Carlos Marighella... é apenas uma representação do ódio que pairava no ar. Sete dias depois, numa terça-feira, um fórceps trazia ao mundo mais um "pensador inconformado"... essa é a minha história!

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A Chibata do Tempo


terça-feira, 8 de junho de 2021

OS ANIMAIS, AS SUPERSTIÇÕES E A IGNORÂNCIA HUMANA



OS ANIMAIS, AS SUPERSTIÇÕES E A IGNORÂNCIA HUMANA


(Texto publicado no Jornal Folha do Sudoeste, em 07/06/21) ...


O termo Fake News, atualmente muito usado, supostamente surgiu na Inglaterra. em 1879. As veiculações de notícias falsas sempre ocorreram e, muitas vezes, com único objetivo de atrair leitores, tática muito usada por jornais impressos do passado. O advento da internet trouxe uma facilidade da criação de verdadeiros centros de disseminação de mentiras, com objetivos dos mais variados. Por vezes, “empresas” são contratadas para criar e propagar, sistematicamente, informações inverídicas, de tal forma tão bem construídas que acabam ganhando verdadeiros “exércitos” de adeptos que disseminam ainda mais e de forma muito rápida, gerando confusão em um grupo enorme de pessoas, trazendo sérios malefícios à sociedade.

Desde sempre, as mentiras – de forma consciente ou não – circularam dentre as diversas civilizações e eras da humanidade. A disseminação de inverdades e distorções de informações, de forma inconsciente, foram ganhando o tempo, de boca em boca e perpetuam até os nossos dias. Agora encontraram terreno fértil nas redes sociais e passaram da inocência ao verdadeiro ato criminoso.

As antigas distorções de informações ou crendices, vez por outra, ganham novas versões e dificilmente conseguem ser desmentidas, efetivamente. E muitas destas coisas nascem do desconhecimento ou por crenças ou histórias nascidas a dezenas ou centenas de anos.

Dizer que aftas são causadas por problemas no estômago, por exemplo, é só um mal entendido, que percorre dezenas de anos. Isto aconteceu porque aftas são, cientificamente chamadas de Estomatites (do grego antigo: “stoma” - boca e “itis” - inflamação). Estomatite confunde-se facilmente com estômago, no entanto, inflamações no estômago são chamadas de Gastrites (do grego “gaster” - estômago). Enfim, aftas nada têm a ver com problemas no estômago. Coisas como esta, parecem inocentes, mas (e apesar de não intencional) podem trazer sérios danos à saúde, pois muitas pessoas acabam tentando realizar tratamentos caseiros para um mal que, simplesmente, não existe.

No mundo animal, vários são os exemplos destas pequenas desinformações. São fake news que trazem medo às pessoas e colocam espécies em risco e levam a atos de maus tratos e abandonos de animais.

Mesmo com tantas informações disponíveis, a rejeição dos gatos pretos, que persiste até hoje, reside na lenda de que - assim como acontece com as corujas e diversas outras espécies - trariam azar. E, assim, gatos pretos são a maioria, dentre os animais abandonados. Este absurdo surgiu ainda na Idade Média, durante a Santa Inquisição, onde associavam aos gatos, por terem hábitos noturnos e sorrateiros e pelos sons assustadores por estes emitidos, uma relação às trevas e, desta forma, aos possíveis atos de bruxaria. Como os gatos pretos eram os mais difíceis de serem vistos na escuridão, seu aparecimento, aparentemente do nada, foi logo associado à magia e feitiçaria.

As corujas sofrem deste mesmo preconceito. A superstição de que elas trariam a morte ou que estariam associadas à feitiçaria datam de muitos séculos, vindas da África, do Oriente Médio e da Europa. O problema é tão sério que quase levou muitas espécies à extinção; e continua trazendo risco a algumas espécies, principalmente as que habitam áreas invadidas pelo homem; é o que ocorre com a espécie Athene cunicularia, ou coruja-buraqueira, que habita matas costeiras e praias, o que levou prefeituras de vários municípios litorâneos a realizarem campanhas informativas sobre os benefícios destes animais no controle de pragas, como ratos, por exemplo.

As lagartixas (Hemidactylus mabouia ou H. frenatus), muito úteis no controle de insetos e aranhas, também sofrem muitos preconceitos por conta de crendices. A crença de que transmitiriam “cobreiro”, uma doença de pele, surgiu do fato de serem de origem africana e terem chegado no Brasil através de navios negreiros. Obviamente, toda a situação que envolvia a captura e como eram mantidos e transportados os escravos era excessivamente estressante e sanitariamente complicada, causando o surgimento de doenças em vários indivíduos ou que eram rapidamente disseminadas. O Herpes Zoster, popularmente conhecido como cobreiro, possivelmente era uma delas, pois, com a imunidade comprometida, viria à tona de forma muito severa. Varíola e Sarnas eram muito comuns, o que também, devido a falta de diagnósticos, poderiam facilmente ser confundidas com o cobreiro. Como as lagartixas eram vistas sempre presentes nos navios, logo atribuíram a elas esta carga preconceituosa que persiste até os dias de hoje. 

Muitas outras lendas recaem negativamente sobre diversas espécies animais, como os morcegos, as mariposas, urubus, sapos, gambás... e estas “fake news” do reino animal estimulam perseguições e preconceitos.

Desmitificar essas crendices e superstições é muito importante; por isso a importância de conhecer um pouco mais sobre as espécies que coexistem entre nós. Não podemos, simplesmente, atribuir nossos problemas ou situações negativas, aos animais...

Está mais que na hora de assumirmos nosso desconhecimento e evoluirmos.

As demais espécies não podem – devido a ignorância humana – continuar pagando as nossas contas...

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superstições bruxaria ignorância humana


terça-feira, 1 de junho de 2021

A CARNE DE FRANGO TEM HORMÔNIOS?

 

A CARNE DE FRANGO TEM HORMÔNIOS?

(Texto publicado no Jornal Folha do Sudoeste, em 29/04/21) ...

É muito comum ouvirmos que a carne de frango contém hormônios; vindo até mesmo de alguns avicultores ou produtores rurais que “conhecem” de perto a produção de aves. Conhecem, entre aspas, justamente porque viram, veem, vivenciam e, realmente, não sabem é de nada.

Ouvir isto de uma pessoa que não conhece a produção avícola, é até compreensível... já que escuta a todo instante, obviamente, como toda mentira repetida várias vezes passa-se por verdade, é natural que acredite nisto. Agora, ouvir isto de profissional da área – seja avicultor ou outro produtor rural, razoavelmente “bem informado”, ou até mesmo de técnicos agrícolas, agrônomos ou veterinários – é lamentável.

Realmente, há muitas dúvidas relacionadas ao rápido desenvolvimento das aves, muitas delas causadas por boatos ou por falta de compreensão dos fatores genéticos e nutricionais que levam ao atual desenvolvimento corpóreo destes animais, em produções de larga escala.

Normalmente, as dúvidas recaem sobre termos como hormônio, antibiótico, transgênico, agrotóxico ou algum outro tema relacionado com a “moda do momento”, que desencadeie uma enxurrada de informações imprecisas, distorcidas ou totalmente mentirosas.

Estas questões têm-se visto inflamadas pelas atuais intrigas políticas, ocorridas no Brasil e no mundo, o que levou alguns grupos a recriarem esses falsos conceitos, com a finalidade de inibir o consumo destes alimentos.

Realmente. o setor produtivo agropecuário é uma linha tênue que pode, muito facilmente, infringir diversas questões ambientais. Os diversos processos relacionados à produção de alimentos é de uma narrativa muito complexa e, obviamente, também batem de frente com questões de domínio econômico e político.

O uso dos recursos naturais para a produção de alimentos, desde muito, tem sido uma fonte de divergências e debates, muitas vezes, infrutíferos.

O crescimento exponencial da população, durante toda a história da humanidade, tem gerado problemas em questões que envolvem o aproveitamento das terras. Até mesmo na Bíblia podemos encontrar passagens que retratam estes problemas. Em Gênesis, na história de Ló e Abraão, pode-se ler que “a terra, todavia, tornou-se insuficiente para abrigar os dois morando na mesma região, isso porque possuíam tantos bens, servos e animais que a terra não conseguia sustentar a todos” (Gênesis 13:6). Esta passagem deixa claro que, naquele momento, já era escasso os recursos naturais frente à demanda e ao exponencial crescimento populacional das comunidades, e que era urgente a necessidade de inovações que proporcionassem uma maior produtividade por área.

Frente a esta necessidade, buscou-se – através de sucessivas seleções genéticas – linhagens mais produtivas, que tivessem conformação corpórea ou características conforme as necessidades de produção, a fim de atender a demanda de mercado. O desenvolvimento nutricional e de técnicas de manejo e produção vieram a acelerar o crescimento e garantir uma maior produtividade, em um menor tempo possível.

Em relação à alimentação, ao arraçoamento, temos o ponto crucial, onde a propagação de informações equivocadas ou errôneas confunde a muitos sobre as questões relacionadas ao uso de antibióticos e hormônios.

Alguns antibióticos podem, sim, ser administrados como promotor de crescimento ou aditivo melhorador do desempenho, ou mesmo para tratamentos, quando necessário. Obviamente, o uso racional deve ser priorizado. Porém, no Brasil, o uso dos antimicrobianos Tilosina, Lincomicina e Tiamulina, como melhorador de desempenho (os últimos ainda permitidos no país), foi proibido pelo MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - atendendo as recomendações da OMS - Organização Mundial da Saúde -, em um processo que vem desde 1998, com o objetivo de reduzir o uso de antimicrobianos na produção pecuária; sendo assim, desde o ano passado (2020), não é mais permitido esta técnica no país.

Em relação aos hormônios, há de ficar bem claro que não existem anabolizantes produzidos para esta finalidade. Não há como aplicar individualmente (injetável), em uma produção de larga escala. Isto tornaria o processo totalmente inviável, economicamente. Mesmo os antibióticos ou qualquer outro medicamento ou suplemento, quando necessários, são administrados através da água ou alimentação. Os hormônios seriam destruídos no trato digestivo e não seriam absorvidos; ou seja, não surtiriam o efeito desejado. Outro detalhe é o tempo que levaria para que surtisse este efeito. Qualquer hormônio anabolizante levaria até dois meses para que fizesse qualquer efeito, que viabilizasse seu uso. E todos sabemos que os frangos são abatidos em um espaço de tempo menor que este.

Enfim, o rápido crescimento e o grande desenvolvimento de massa muscular, nas aves, ocorre devido modificações ou seleções genéticas, técnicas de manejo e nutrição de alta qualidade.

O uso de substâncias em animais, no Brasil, é regulamentado pelo MAPA, conforme os decretos vigentes no país, seguindo as determinações da OMS e da FAO (Organização para Alimentação e Agricultura) e as normas do Codex Alimentarius (código criado em 1963 pela OMS/FAO que estabelece regras relacionadas à segurança alimentar, com o objetivo de assegurar boas práticas na indústria de alimentos e proteger a saúde dos consumidores).

Sei que a pergunta persiste: "Tem hormônios e antibióticos na carne de frango?"

Não! Não tem hormônios... e, antibióticos, legalmente não há, ou ao menos, não deveria...

"Ah, mas eu não acho que a carne de frango seja saudável". Meu amigo, neste mundo que vivemos - posso te garantir - nem mesmo o ar que respiramos é tão saudável... e nem mesmo a água mineral, ou os produtos que chamam de "orgânico" e que você paga tão caro. E não estou dizendo que sou contra os "produtos orgânicos"... só não gosto da terminologia, mas já é outra história. Os orgânicos são, sim, melhores que os oriundos de produção tradicional, mas não temos ar e não temos água (ou, raramente teremos) sem que haja ao menos um contaminante. Não usar agrotóxicos (ou fitossanitários, se é o termo que prefere; que seja, não muda nada), não garante que não os tenha. Obviamente, é o caminho, porém, tarde demais, para nossa geração.

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domingo, 30 de maio de 2021

ABREM-SE AS CORTINAS DE UM LINDO DIA


ABREM-SE AS CORTINAS
DE UM LINDO DIA


Boa parte do que vejo, cega!
O infinito, à visão, finda em linha reta.
Tenuidade entre escuridão e o resplandecido...
Tudo que vejo é pouco, mas interessa...
E o que passou é parte do que ainda nos resta.

A paisagem pode ser bonita ou indiferente;
Grandemente admirada ou simplesmente ignorada.
Definições da óptica, realista e perfeita,
Ou um impecilho a ser traçado,
A quem, a vida real, rejeita.

A beleza depende da alma que a recebe;
O prazer, da beleza, mesmo distante,
Ou da solidão, que por um instante,
Mesmo que de relance, vê no simples,
Airosidade do eterno recriar.

Alvorece; lindo sol a despontar...
Voe livre como um sonho...
Em minha vista seus encantos,
Em minh'alma a magia,
Abre as portas a um lindo dia.
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* Imagem criada sobre a foto original de Cleusa Piovesan

OS “ALIMENTOS ALCALINOS”, O SANGUE E A COVID-19

 

Os “Alimentos Alcalinos”, o Sangue e a Covid-19


(Texto publicado no Jornal Folha do Sudoeste, em 27/05/21) ...

Novamente, vejo necessário voltarmos a falar da Pandemia. Infelizmente, a maciça veiculação de desinformações e mentiras coloca a saúde humana – e também dos animais – em risco. Já ouvi gente atribuindo, a essas falsas teorias, possíveis benefícios, também, aos nossos animais de companhia. Tudo falso, ilusório e carente de um mínimo de lógica e bom senso.

Há muito, circulam nas redes sociais, publicações equivocadas, enganosas e até – muitas vezes – criminosas (pois coloca a saúde de muitos em risco), envolvendo curas milagrosas ou prevenções infalíveis para a Covid-19.

Desta vez, as postagens apontando determinados alimentos e suas influências no pH sanguíneo e no combate a algumas doenças, em especial Covid-19, ganharam destaque.

São mensagens absurdas, com erros grosseiros do ponto de vista básico de química, biologia... enfim, de conhecimento tão básico que sequer compreendo como muitos possam ter acreditado. Por exemplo, alegar que limão é alcalino. Alcalino? Sério? Limão é uma fruta cítrica, tão ácido – e todos sabem – que chega a retrair a gengiva.

Recebi postagens, deste tipo, de amigos formados em diversas áreas, até médicos e veterinários. E o pior, alguns fazem parte das pessoas que tentam, a todo custo, desmoralizar o sistema de ensino atual. Mas, lamentavelmente, estas pessoas estudaram nos anos 70 e 80, em pleno Regime Militar, onde, segundo os mesmos, o ensino era muito superior em qualidade. Só questiono uma coisa: “era tão superior, tão bom, e me passam uma dessas? Isso é o básico! Coisa do ensino médio! É lamentável... uma vergonha!”. Tivemos, sim, excelentes professores... assim como, hoje, também os temos. E isso deixa claro que o problema nunca fora o sistema de ensino, o problema reside, em parte, no aluno.

Em uma destas postagens absurdas, lia-se uma relação de alimentos que seriam capazes de “alcalinizar o sangue e matar o vírus da Covid-19”, inclusive sob alegação de que este – o vírus! – seria de pH ácido. Isso, obviamente, chega a ser ridículo, tamanha a carga de mentiras em uma única postagem que, logo de início, vinha com o título: “Conselhos dos hospitais para isolamento”, e seguia com diversas informações imprecisas, típico das “fake news”, até chegar ao ápice de conferir ao vírus um pH (alegado ser ácido) que variaria de 5,5 a 8,5 (pH 8,5 é ácido?); difícil imaginar como seria isto.

A sandice continua em uma total confusão e distorção em relação aos parâmetros de pH.

Certo, tudo bem... entender, realmente, o que seja pH, não é assim tão fácil... tem toda aquela história de hidrônio e hidroxila, dissociação iônica, ânions e cátions... é difícil! Mas quem passou pelo ensino médio tem a obrigação de saber... ao menos, ter uma noção do que é acido ou o que possa ser básico (alcalino). Mas... não é o que parece.

A referida postagem alega, baseado nessa falsa relação de pH do vírus, que deveríamos ingerir alimentos “alcalinos” a fim de alterar o pH corpóreo ou sanguíneo e, desta forma, impedir a replicação viral.

Eu juro... nem sei por onde começar, tamanho disparate.

Só a fim de esclarecimento, trataremos aqui, as substâncias de pH acima de 7,0 como “básicas”, que é o termo, tecnicamente, correto. O termo “alcalino”, apesar de aceito, tem gerado confusões perigosas, já que confunde o entendimento entre pH, Alcalinidade e Dureza Carbonatada (KH), que, inclusive, tem levado muitos a tomarem água com pH acima de 8,0... uma bobagem; mas já é outra história...

Bom... o texto – da referida postagem – começa citando alguns alimentos que – segundo sua ciência, possivelmente de outro planeta, tamanha a discrepância – teriam o pH “alcalino” (básico). Cita o limão, como se tivesse pH de 8,2 a 9,9; o abacate, com seus absurdos 15,6; o alho, com 13,2; a manga , 8,7; o abacaxi, como tendo pH de 12,7; a laranja, com 9,2; e o agrião, com seu, paradoxalmente, impossível pH de 22,7.

Pois bem... quem passou pelo ensino médio ou por uma faculdade (o que é mais absurdo), tem a obrigação de perceber que estas informações são grosseiramente mentirosas.

E o absurdo é tanto que basta sabermos que o Hidróxido de Sódio, que conhecemos como Soda Cáustica, tem pH de 13,5.

O pH – Potencial Hidrogeniônico – indica a acidez, neutralidade ou basicidade de um meio. Segue uma escala que varia de 0 a 14, sendo 7 a representação de uma solução neutra; abaixo deste, indica uma solução ácida e os valores acima, uma solução básica.

O limão, ao contrário do que diz a referida postagem, é de pH muito ácido (2,0 a 2,8), como também é ácido o abacate (6,2 a 6,5), o alho (5,8), a manga (3,4 a 4,8), o abacaxi (3,2 a 4,0), a laranja (3,7 a 4,4) e, também, o agrião. Outro detalhe importante, e que poucos perceberam nesta postagem mentirosa, é o fato de que a faixa de pH vai de 0 a 14. O pH pode até fugir dessa escala e passar – em situações muito específicas – o valor de 14, mas atingir um valor de 22,7 (que foi o pH atribuído ao agrião) é algo, quimicamente, impossível.

Alegar que a ingestão de determinados alimentos possa, indubitavelmente, interferir no pH sanguíneo ou corpóreo é de uma total falta de conhecimento básico da fisiologia ou da bioquímica e metabolismo orgânico.

Ao ingerir um determinado alimento, este começa, ainda na boca, com o processo de mastigação, salivação e deglutição, a sofrer transformações para que, no processo digestivo, possamos assimilar e aproveitar a maior parte de seus nutrientes. Sendo assim, ao passar pelo sistema digestório, os alimentos são metabolizados e passam por diversas transformações até seus nutrientes serem destinados a locais específicos. Não há um alimento que passe por este processo, inalterado, de forma a causar qualquer alteração a nível sanguíneo.

Nosso sangue tem um pH de 7,34 a 7,44 e sua manutenção é garantida por diversos mecanismos fisiológicos. Se fosse possível, podemos dizer que, alterar o pH sanguíneo, causaria um verdadeiro desastre metabólico com sérios prejuízos à saúde e à vida.

Existe, dentro do processo digestivo, a formação residual chamada de “cinzas”, do qual podem resultar frações denominadas alcalinógenas ou acidógenas, no entanto, mesmo em se tratando de resultantes básicos ou ácidos, por si só, não interferem diretamente no pH sanguíneo ou corpóreo.

Outra informação mentirosa, que vem surgindo de tempo em tempo, diz respeito a intolerância do Sars-CoV-2 a altas temperaturas. Algumas postagens – inclusive veiculadas por médicos – sugerem que o vírus morreria em temperaturas superiores a 26 ºC. É algo tão absurdamente tolo que bastaria perceber que a temperatura normal de nosso corpo é de 36,6 a 37,0 ºC, ou seja, dentro desta teoria absurda, jamais seríamos infectados. Enfim, estudos comprovam que o vírus Sars-CoV-2 (Covid-19) pode suportar temperatura de 50 a 60 °C.

Sei que é difícil saber em quem acreditar quando vemos médicos e outros profissionais de saúde compartilhando e disseminando mentiras, mas é fácil identificar mentiras, quando sabemos o básico. Obviamente, ninguém é obrigado a saber tudo, mas a um médico, a um veterinário ou a um biólogo ou outro profissional de saúde, faz-se necessário entender o mínimo sobre pH e é inadmissível que digam bobagens absurdas acerca da fisiologia humana ou de uma doença viral.

Ah... mas podem comer, normalmente, as frutas, verduras e demais alimentos citados... pelo menos, isso é realmente bom, só não vai alterar o pH de sangue e muito menos “matar” o vírus.

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