domingo, 27 de junho de 2021

CONTAMINAÇÃO ALIMENTAR




(Textos publicados no Jornal Folha do Sudoeste, entre dez/20 e fev/21)


CONTAMINAÇÃO ALIMENTAR

Parte 1: A Contaminação Biológica


Em meio à pandemia, a novidade de uma doença que ameaça a raça humana camufla a existência de riscos potenciais, que, igualmente, causam grandes danos à saúde pública do mundo todo.

Estimativas dão-nos conta que 600 milhões de pessoas adoecem e 420 mil pessoas morrem por causa de infecções alimentares, anualmente.

Os alimentos contaminados criam um ciclo de doenças (agudas e/ou crônicas) que afetam, principalmente, crianças e idosos. Crianças abaixo de 5 anos representam 40% dos quadros de doenças relacionadas a contaminação alimentar.

Além disso, este problema sobrecarrega os sistemas de saúde, prejudicam o turismo e a economia.

A contaminação de alimentos acontece quando estes entram em contato (direto ou indireto) com substâncias ou elementos que normalmente representam risco à saúde. Isso pode ocorrer no campo, no produtor, caso haja a adição de alguns tipos de agrotóxico, principalmente em excesso, nas plantações, ou algum tipo de contaminação biológica durante processos de adubação ou irrigação; nos centros de distribuição, por falhas no armazenamento; nas indústrias ou em casa, por erros de higienização e manipulação durante o preparo.

A poluição ambiental, a falta de saneamento básico, as variações climáticas e temperaturas extremas também são fatores que favorecem à contaminação.

Segundo o Ministério da Saúde, existem – no mundo – mais de 250 tipos de doenças transmitidas por alimentos contaminados, sendo a maioria de fundo biológico, causada por bactérias, fungos, protozoários, vírus, algas, parasitas e suas toxinas.

Os principais sintomas causados por uma contaminação alimentar são: náuseas, dores abdominais, diarreia, vômito, desidratação, febre, falta de apetite, que podem evoluir para complicações diversas.

A sobrecarga de problemas gerados por estas doenças dificultam o desenvolvimento econômico de um país. Estima-se que o impacto da falha de segurança alimentar, principalmente devido a erros em estocagem, distribuição e manipulação, gera uma perda, aproximada, de US$100 bilhões às economias em desenvolvimento, por ano. Mas países desenvolvidos também apresentam índices alarmantes. Para se ter um exemplo, em 2011, na Alemanha, um surto da bactéria E. coli causou prejuízos de mais de 1,3 bilhão de dólares.

Dentro dos diversos cenários em que ocorrem a contaminação de alimentos, a maioria se enquadra nas categorias: biológica, química e física.

A contaminação Biológica é aquela causada por substâncias produzidas por organismos vivos: animais (incluindo Humano), vegetais e microrganismos (vírus, bactérias, protozoários, algas e fungos).

Para se ter ideia da amplitude dos riscos, em apenas 1 g de terra podemos encontrar mais de 100 milhões de microrganismos; uma única gota de saliva pode conter mais de 2 bilhões de bactérias; e mesmo a água que consideramos potável pode conter elevado número de microrganismos presentes... obviamente, e felizmente, nem todas são patogênicas, ou seja, capazes de desencadear doenças

Uma Bactéria mede, em média, de 0,3 a 2 μm (micrometro). Como exemplo, uma bactéria de 2 μm (2x10-4 mm), ou seja, 0,002 mm, enfileiradas em uma linha de 1 mm (1 mm dividido por 0,002 mm) resultariam em 500 bactérias. Em um quadrado de área 1x1 mm (500 x 500 unidades/mm) temos 250.000 bactérias (unidades/mm2). Dessa forma, em um cubo de 1x1x1 mm, o equivalente a um grão de areia, (250.000 x 500) temos 125.000.000 bactérias (125 milhões de unidades/mm3).

Um Vírus é ainda menor, cerca de 2 a 6 vezes menor que uma bactéria, medindo de 0,05 a 0,90 μm (caberiam mais de 250 milhões de unidades virais em apenas 1 mm3; ou, para ser “otimista”, aproximadamente 700 milhões em uma única gota de saliva).

O corpo humano contém, naturalmente, mais microrganismos que as próprias células que o compõe, ou seja, de 10 a 100 trilhões de células e de 200 trilhões a 2 quadrilhões de micróbios. Essa “flora” é vital ao nosso organismo, estando diretamente relacionada a diversos processos metabólicos (a digestão, por exemplo) e de extrema importância para nossa resistência imunológica.


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Parte 2: A Contaminação Química


A contaminação Química ocorre quando os alimentos são submetidos ao contato – direto ou indireto – com substâncias e/ou reagentes químicos. Estes contaminantes podem ser de origem natural ou artificial.

A presença de compostos químicos estranhos ou de toxinas produzidas por microrganismos causam sérios danos à saúde publica mundial, com o agravante de quase sempre passar despercebida como causa primária, muitas vezes causando danos metabólicos de fundo crônico.

As contaminações químicas podem advir da própria matéria-prima, oriundas de substâncias usadas na produção agropecuária ou de contaminantes ambientais, ou de sua própria constituição; podem ocorrer de falhas no transporte ou armazenamento; por contato direto ou mesmo do próprio ar. Falhas no manuseio, durante o processo fabril, podem submeter os alimentos a diversas substâncias químicas que podem ocasionar graves contaminações.

Mas não para por aí... Mesmo após a industrialização ou distribuição de alimentos, encontramos muitas possibilidades de riscos. Isto pode ocorrer em depósitos ou prateleiras de supermercados ou na própria residência do consumidor. Muitos produtos de uso doméstico são possíveis meios de contaminação. Produtos de limpeza e higiene pessoal, aromatizadores de ambiente, inseticidas, produtos de jardinagem, medicamentos e outros, usados na própria residência, podem causar graves contaminações dos alimentos.

Outra fonte de contaminação química muito relevante são as embalagens e utensílios utilizados indevidamente no armazenamento ou preparo dos alimentos. Plásticos, isopor, metais, papel e até mesmo utensílios de madeira podem liberar moléculas ou compostos químicos perigosos, por reagirem com o calor ou frio extremo ou com outras substâncias usadas (vinagre, por exemplo) ou, ainda, com a composição do próprio alimento; ou por liberarem naturalmente moléculas tóxicas, como é o caso do alumínio, um grave contaminante causador de danos crônicos.

Substâncias geralmente presentes em alimentos industrializados, como corantes e conservantes, também são perigosos para a saúde. Não podemos aceitar que, pelo simples fato de estarem de acordo ao permitido, seja “atestado de segurança” e que não nos causem problemas. Podemos classificá-las como contaminantes sancionados, até porque muitos poderiam não estar presentes – como é o caso de corantes usados em cápsulas de suplementos alimentares – ou estar em concentrações significativamente menores. E estas substâncias, por fazerem parte do processo, dentro das indústrias, podem vir a exceder o percentual tolerado ou atingir outros produtos, que normalmente não os conteria, por falhas de manipulação ou acidentes.

As toxinas naturalmente geradas pelo próprio alimento devem ser consideradas e compreendidas. Essas substâncias naturais podem causar sérios problemas e são mais frequentes do que se imagina. Podem ser produzidas por microrganismos ou pelo próprio alimento, como os Glicoalcaloides produzidos pelas batatas, por exemplo, que poucos conhecem, mas que podem representar sérios riscos de saúde, por atingirem o sistema nervoso central. Estes glicoalcaloides estão contidos, em maior concentração, na casca e nas brotações, e geram uma coloração verde, quando em concentrações mais perigosas.

A contaminação química, ao contrário da biológica, é muito menosprezada e pode representar sérios prejuízos à saúde pública, muitas vezes de fundo crônico e desconsiderado, podendo levar a casos de reações alérgicas, a danos hepáticos, renais, hormonais e danos neurológicos severos, aumento no risco de doenças degenerativas e até o desenvolvimento de câncer, podendo levar à morte.

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Parte 3: A Contaminação Física


A contaminação Física é aquela que ocorre quando um objeto ou corpo estranho – ou partícula não pertencente aos ingredientes – acaba entrando em contato com o alimento. Isso pode apresentar um risco adicional de trazer algum tipo de contaminação biológica ou química.

Dentro do processo produtivo, diversos materiais, usados ou não na produção ou manipulação dos alimentos, podem liberar partículas e acabar agregando-se a estes.

Coisas de uso comum ou mesmo totalmente estranhas aos processos, como fragmentos ou pedaços de algum utensílio ou peça de máquinas; partículas de vidro, madeira, rochas, areia, metais, minérios, plástico e papel; cabelo, unhas e pelos; fragmentos de plantas ou insetos; ou mesmo partes extraídas de alguma matéria-prima, como cascas, galhos ou ramos, folhas, ossos, sementes... até mesmo adereços ou peças de vestuários, como alianças, brincos, botões e outras partes que possam, acidentalmente cair durante o processo de fabricação ou preparo. Tudo aquilo que não faz parte do alimento ou de seus ingredientes é um corpo estranho, uma contaminação física, que pode representar diversos graus de risco.

A contaminação física, dependendo da matéria, pode, também, gerar uma contaminação química, por produzir reações e liberar ou gerar substâncias tóxicas; por isso, a atenção e controle no processo produtivo ou de preparo dos alimentos, mesmo em nossas cozinhas (preparação doméstica), é muito importante. É comum o uso de utensílios plásticos em nossas casas. Determinados materiais não devem ser submetidos a temperaturas extremas (calor ou frio) ou mesmo levados ao micro-ondas, pois podem liberar substâncias tóxicas, como é o caso do Estireno e do Bisfenol-A, substâncias altamente alergênicas e cancerígenas e que podem causar uma série de distúrbios gastrintestinais, metabólicos, imunológicos e neurológicos. O uso destes materiais requer cuidados. Geralmente, mesmo que se conheça esses riscos, as pessoas pensam que se trata somente da exposição ao calor e acabam submetendo estes utensílios ao uso para congelamento de alimentos, o que causa o mesmo dano.

As contaminações físicas podem levar a riscos diretos, relacionados à ingestão de partículas, que podem causar desde danos dentários, até problemas mais sérios de obstruções, lesões ou perfurações do trato digestivo, podendo até mesmo atingir outros órgãos.

A presença de corpos estranhos pode simplesmente descaracterizar um produto, gerando repulsa ou rejeição pelo alimento.

O impacto causado por um eventual descuido ou falha de produção ou manipulação de alimentos pode ser grave e causar danos à saúde individual ou coletiva ou mesmo causar prejuízos à empresa.

Por muitas vezes, a contaminação física está associada à contaminação biológica, pois não faz parte do processo, podendo representar um risco ainda maior.

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CONTAMINAÇÃO ALIMENTAR

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quinta-feira, 24 de junho de 2021

TEMPO PERDIDO



TEMPO PERDIDO


Ah, tempo...

Há quanto tempo

Não tenho tempo

Para valorizar o tempo 

Que perdi, por muito tempo

Esperando o tempo

Certo de que o tempo

Um dia, a contento

Dar-me-ia tempo

De sentir

Na alma...

O tempo...


>< <> ><


Tempo


sexta-feira, 18 de junho de 2021

A CHIBATA DO TEMPO


A CHIBATA DO TEMPO


Texto publicado no Jornal Folha do Sudoeste - Via Poiesis - em 15/06/2021 

http://jornalfolhadosudoeste.com.br/2021/06/15/a-chibata-do-tempo/


        Quando nasci, o ano da morte do filho* do lixeiro e da empregada doméstica, que, com sua genialidade, por volta de 1929, respondera, em versos, a uma questão de uma prova de Física, pude sentir todo o ódio do mundo. Soube disso, obviamente, muitos anos depois, mas sei o que senti, pois esta seria a carga que me deprimiria por toda minha vida. Fui uma criança de poucos sorrisos.

        Quando se tem cinco anos de idade, o mundo é muito estranho... e o prazer e o medo andam lado a lado. Uma mudança nunca é confortável... e quando se é criança demais para entender os porquês, e o sofrimento - e a angústia - e a grande preocupação dos pais sai, feito suor, pelos poros, o trauma por medo é carregado feito chumbo... torna-se um peso para a vida toda, que vez por outra vem à tona. Eu lembro exatamente do dia em que chegamos àquela vila... a madrugada era fria... não sei se para o corpo... ou para a alma.

        O amor havia, mas, por longos anos, fora suprimido pelo mal. Este, sem piedade e sem qualquer remorso, castigou-nos por longos e penosos anos... dias de amarguras, de tamanha carga negativa, que era possível senti-la no ar. Algo tão denso e viscoso que uma navalha poderia cortá-lo; mas a regeneração do mal era certa. Um verdadeiro choque na alma, que, aos conscientes, não seria apaziguado tão cedo.

        O amor, sim, havia... e até salvou minha vida quando a medicina dissera que eu estaria mentindo; "pura manha" foi o que ouvi, ao longe... foi quando, ainda aos sete anos, descobri o que era arrogância.

        Vivi dias maravilhosos também... muitos! Havia uma liberdade livre das atribuições ou atribulações do medo, uma animosidade suprimida pela inocência. Mas os dias sublimes eram recheados de subtâneas e injustificáveis vergastadas que não habitavam somente os pesadelos. E os pesadelos eram recorrentes... e vivos!

        O amor, quase que compulsoriamente, havia; mas não havia tempo de expressá-lo... os dias eram difíceis... muitos encargos diários que não cabiam em um só dia. Os sentimentos foram suprimidos pelas dificuldades cotidianas. Quando não se vence o sofrimento - as angústias - o coração empedra-se. É acrimonioso o coração de quem pena.

        E a vida seguia seu curso... e os pedaços de mim perderam-se pelo caminho... e pelo tempo... e nunca mais eu pude resgatá-los.

        Como os anos quebram-se, feito vidro ao cair ao chão!

        O tic-tac do relógio - coisa que não existe mais na vida das crianças de hoje - incomodava-me muito, e não adiantava em nada pará-lo... o tempo não obedecia às minhas vontades, o tempo empurrava-me com força.

        O ano era 1979... e aqui, eu desceria um degrau em minha relação social. Uma outra mudança repentina doeu muito, e muito ficaria, definitivamente, para trás.  O choque cultural, as malícias que eu não conhecia; o ludíbrio moral... a falta de tudo que não coube na mudança, e jamais caberia... o âmago; conquista de um espaço abstrato entre a dor da lapada e a liberdade da inocência. Até esse momento, eu precisava apenas ser eu. Esse era o único valor que realmente importava... tudo, e todo o resto fora da essência do ser, eram apenas futilidades, mundanas demais para serem relevadas. E agora, tudo mudou. O avesso da alma desnuda...

        Entendi que estaria sozinho... a sensação daquele momento poderia equivaler-se a estar trancado em um quarto escuro com um tigre.... e eu não tinha escolha.

        O amor, à distância, havia; mas não se podia sequer ouvi-lo. Eu não estava só, mas éramos três crianças, inconscienciosamente aos cuidados de outra. Cem quilômetros foram estabelecidos para que pudéssemos estudar... e não havia nenhuma forma de  contato. Viver sozinhos foi a única opção de "vida melhor"... um quase abandono obrigatório por circunstância única. É difícil compreender, mas fora um desarrimo por amor. Expressão única, personificação abstrata. Sim ou não, amor deve ser o que vocês acreditam ser Deus. Eu, no entanto, não compreendo amor, tampouco Deus. Eu aprendi a olhar o mundo por mais de duas perspectivas, mas a superficialidade eu via em todos os outros, para onde quer que eu olhasse.

        Só uma coisa mudou, naquele momento, para melhor... e, por algum tempo, eu sequer percebi. Foi aí que aprendi que o amor desfere chibatadas, com maestria.

        E eu odiava ouvir a Rita Lee... "nas duas faces de Eva, a bela e a fera"... esse era o sinal de que chegara a hora de ir para a escola. Naquele momento, a escola não era um lugar confortável para mim... lá eu apanhei, fui humilhado, roubado... fui excluído por ser pobre, rejeitado por ser forasteiro; ninguém sabia da minha origem, nem conhecia minha família. Para eles eu não tinha nada a oferecer e, obviamente, isso incluía nada mais que matéria.

        A escola era pública, mas havia uma divisão de classes absurda e eu estava exatamente no meio da balança... rejeitado, por um lado, por não ser tão pobre, e por outro, por ser pobre demais. A timidez, naquele momento, não me ajudava em nada... e a introversão, muito menos.

        Hoje, até agradeço... talvez, tornar-me-ia apenas mais um ser volúvel, persuadível, de extrema futilidade. Afinal, é caindo que se aprende andar... as dificuldades trazem valor à vida. Agora, entendo a efemeridade daquele tapa social e o bem que a dor trouxe para a formação de minha personalidade... mas, à época, um ano era interminável... e a dor era intensa.

        Muita coisa rolou, durante seis anos... o bem e o mal trilharam abraçados... amantes, absurdamente, inseparáveis. Descobri que o bem é - quase sempre - frágil... e o mal - sempre - a personificação do próprio Mal.

        1984 foi um ano limítrofe, e eu sequer havia lido Orwell... e uma sensação anárquica fervilhava dentro do meu eu.

        No ano anterior, muita coisa anunciava o que viria de mim... eu estava cansado. As chibatas do tempo, as feridas abertas na alma, as máculas de uma vida inteira, são as forjas que moldam a personalidade... efígie gravada na consciência.

        A virada de ano trouxe, com apenas mais uma data, um novo eu. A timidez e a introversão continuavam a existir, como existem até os dias de hoje, mas eu as esmagara debaixo de toneladas de ódio, jogadas no porão da mente. Mesmo subvertendo meu próprio ser, jamais fui falso, sempre fui verdadeiro, apenas havia suprimido angústias e medos.

        Nesse momento, descobri que eu poderia ter algo a oferecer... e percebi que a cultura e o conhecimento poderiam ser armas para conquistar o meu espaço, mesmo na mais leviana sociedade... e que isto teria um valor inestimável, mas que ninguém - jamais - poderia roubar-me.

        Ouço vozes o tempo todo... não é insanidade! São lampejos da razão... centelhas de uma vida inteira, plasmada no que realmente sou...

        A dor deu lugar ao juízo... as feridas da alma, transmutadas em pura lucidez; a prudência é a mão em meu peito... que agora, empurra-me contra o tempo.

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* Carlos Marighella nasceu em Salvador, em 1911; filho de Augusto Marighella, um imigrante italiano, e Maria Rita do Nascimento, negra e filha de escravos. Antes de tudo, e - talvez - mais importante que quaisquer de suas ações, Marighella era um grande poeta. A poesia é a força motriz da consciência ativa, base de qualquer revolução. Foi preso por uma de suas poesias. Foi torturado por pensar. Marighella foi morto a tiros, em uma emboscada, no dia 04 de novembro de 1969. Se foi um herói ou um vilão, não cabe a mim julgar... enfim, essa não é a história de Carlos Marighella... é apenas uma representação do ódio que pairava no ar. Sete dias depois, numa terça-feira, um fórceps trazia ao mundo mais um "pensador inconformado"... essa é a minha história!

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A Chibata do Tempo


terça-feira, 8 de junho de 2021

OS ANIMAIS, AS SUPERSTIÇÕES E A IGNORÂNCIA HUMANA



OS ANIMAIS, AS SUPERSTIÇÕES E A IGNORÂNCIA HUMANA


(Texto publicado no Jornal Folha do Sudoeste, em 07/06/21) ...


O termo Fake News, atualmente muito usado, supostamente surgiu na Inglaterra. em 1879. As veiculações de notícias falsas sempre ocorreram e, muitas vezes, com único objetivo de atrair leitores, tática muito usada por jornais impressos do passado. O advento da internet trouxe uma facilidade da criação de verdadeiros centros de disseminação de mentiras, com objetivos dos mais variados. Por vezes, “empresas” são contratadas para criar e propagar, sistematicamente, informações inverídicas, de tal forma tão bem construídas que acabam ganhando verdadeiros “exércitos” de adeptos que disseminam ainda mais e de forma muito rápida, gerando confusão em um grupo enorme de pessoas, trazendo sérios malefícios à sociedade.

Desde sempre, as mentiras – de forma consciente ou não – circularam dentre as diversas civilizações e eras da humanidade. A disseminação de inverdades e distorções de informações, de forma inconsciente, foram ganhando o tempo, de boca em boca e perpetuam até os nossos dias. Agora encontraram terreno fértil nas redes sociais e passaram da inocência ao verdadeiro ato criminoso.

As antigas distorções de informações ou crendices, vez por outra, ganham novas versões e dificilmente conseguem ser desmentidas, efetivamente. E muitas destas coisas nascem do desconhecimento ou por crenças ou histórias nascidas a dezenas ou centenas de anos.

Dizer que aftas são causadas por problemas no estômago, por exemplo, é só um mal entendido, que percorre dezenas de anos. Isto aconteceu porque aftas são, cientificamente chamadas de Estomatites (do grego antigo: “stoma” - boca e “itis” - inflamação). Estomatite confunde-se facilmente com estômago, no entanto, inflamações no estômago são chamadas de Gastrites (do grego “gaster” - estômago). Enfim, aftas nada têm a ver com problemas no estômago. Coisas como esta, parecem inocentes, mas (e apesar de não intencional) podem trazer sérios danos à saúde, pois muitas pessoas acabam tentando realizar tratamentos caseiros para um mal que, simplesmente, não existe.

No mundo animal, vários são os exemplos destas pequenas desinformações. São fake news que trazem medo às pessoas e colocam espécies em risco e levam a atos de maus tratos e abandonos de animais.

Mesmo com tantas informações disponíveis, a rejeição dos gatos pretos, que persiste até hoje, reside na lenda de que - assim como acontece com as corujas e diversas outras espécies - trariam azar. E, assim, gatos pretos são a maioria, dentre os animais abandonados. Este absurdo surgiu ainda na Idade Média, durante a Santa Inquisição, onde associavam aos gatos, por terem hábitos noturnos e sorrateiros e pelos sons assustadores por estes emitidos, uma relação às trevas e, desta forma, aos possíveis atos de bruxaria. Como os gatos pretos eram os mais difíceis de serem vistos na escuridão, seu aparecimento, aparentemente do nada, foi logo associado à magia e feitiçaria.

As corujas sofrem deste mesmo preconceito. A superstição de que elas trariam a morte ou que estariam associadas à feitiçaria datam de muitos séculos, vindas da África, do Oriente Médio e da Europa. O problema é tão sério que quase levou muitas espécies à extinção; e continua trazendo risco a algumas espécies, principalmente as que habitam áreas invadidas pelo homem; é o que ocorre com a espécie Athene cunicularia, ou coruja-buraqueira, que habita matas costeiras e praias, o que levou prefeituras de vários municípios litorâneos a realizarem campanhas informativas sobre os benefícios destes animais no controle de pragas, como ratos, por exemplo.

As lagartixas (Hemidactylus mabouia ou H. frenatus), muito úteis no controle de insetos e aranhas, também sofrem muitos preconceitos por conta de crendices. A crença de que transmitiriam “cobreiro”, uma doença de pele, surgiu do fato de serem de origem africana e terem chegado no Brasil através de navios negreiros. Obviamente, toda a situação que envolvia a captura e como eram mantidos e transportados os escravos era excessivamente estressante e sanitariamente complicada, causando o surgimento de doenças em vários indivíduos ou que eram rapidamente disseminadas. O Herpes Zoster, popularmente conhecido como cobreiro, possivelmente era uma delas, pois, com a imunidade comprometida, viria à tona de forma muito severa. Varíola e Sarnas eram muito comuns, o que também, devido a falta de diagnósticos, poderiam facilmente ser confundidas com o cobreiro. Como as lagartixas eram vistas sempre presentes nos navios, logo atribuíram a elas esta carga preconceituosa que persiste até os dias de hoje. 

Muitas outras lendas recaem negativamente sobre diversas espécies animais, como os morcegos, as mariposas, urubus, sapos, gambás... e estas “fake news” do reino animal estimulam perseguições e preconceitos.

Desmitificar essas crendices e superstições é muito importante; por isso a importância de conhecer um pouco mais sobre as espécies que coexistem entre nós. Não podemos, simplesmente, atribuir nossos problemas ou situações negativas, aos animais...

Está mais que na hora de assumirmos nosso desconhecimento e evoluirmos.

As demais espécies não podem – devido a ignorância humana – continuar pagando as nossas contas...

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superstições bruxaria ignorância humana


terça-feira, 1 de junho de 2021

A CARNE DE FRANGO TEM HORMÔNIOS?

 

A CARNE DE FRANGO TEM HORMÔNIOS?

(Texto publicado no Jornal Folha do Sudoeste, em 29/04/21) ...

É muito comum ouvirmos que a carne de frango contém hormônios; vindo até mesmo de alguns avicultores ou produtores rurais que “conhecem” de perto a produção de aves. Conhecem, entre aspas, justamente porque viram, veem, vivenciam e, realmente, não sabem é de nada.

Ouvir isto de uma pessoa que não conhece a produção avícola, é até compreensível... já que escuta a todo instante, obviamente, como toda mentira repetida várias vezes passa-se por verdade, é natural que acredite nisto. Agora, ouvir isto de profissional da área – seja avicultor ou outro produtor rural, razoavelmente “bem informado”, ou até mesmo de técnicos agrícolas, agrônomos ou veterinários – é lamentável.

Realmente, há muitas dúvidas relacionadas ao rápido desenvolvimento das aves, muitas delas causadas por boatos ou por falta de compreensão dos fatores genéticos e nutricionais que levam ao atual desenvolvimento corpóreo destes animais, em produções de larga escala.

Normalmente, as dúvidas recaem sobre termos como hormônio, antibiótico, transgênico, agrotóxico ou algum outro tema relacionado com a “moda do momento”, que desencadeie uma enxurrada de informações imprecisas, distorcidas ou totalmente mentirosas.

Estas questões têm-se visto inflamadas pelas atuais intrigas políticas, ocorridas no Brasil e no mundo, o que levou alguns grupos a recriarem esses falsos conceitos, com a finalidade de inibir o consumo destes alimentos.

Realmente. o setor produtivo agropecuário é uma linha tênue que pode, muito facilmente, infringir diversas questões ambientais. Os diversos processos relacionados à produção de alimentos é de uma narrativa muito complexa e, obviamente, também batem de frente com questões de domínio econômico e político.

O uso dos recursos naturais para a produção de alimentos, desde muito, tem sido uma fonte de divergências e debates, muitas vezes, infrutíferos.

O crescimento exponencial da população, durante toda a história da humanidade, tem gerado problemas em questões que envolvem o aproveitamento das terras. Até mesmo na Bíblia podemos encontrar passagens que retratam estes problemas. Em Gênesis, na história de Ló e Abraão, pode-se ler que “a terra, todavia, tornou-se insuficiente para abrigar os dois morando na mesma região, isso porque possuíam tantos bens, servos e animais que a terra não conseguia sustentar a todos” (Gênesis 13:6). Esta passagem deixa claro que, naquele momento, já era escasso os recursos naturais frente à demanda e ao exponencial crescimento populacional das comunidades, e que era urgente a necessidade de inovações que proporcionassem uma maior produtividade por área.

Frente a esta necessidade, buscou-se – através de sucessivas seleções genéticas – linhagens mais produtivas, que tivessem conformação corpórea ou características conforme as necessidades de produção, a fim de atender a demanda de mercado. O desenvolvimento nutricional e de técnicas de manejo e produção vieram a acelerar o crescimento e garantir uma maior produtividade, em um menor tempo possível.

Em relação à alimentação, ao arraçoamento, temos o ponto crucial, onde a propagação de informações equivocadas ou errôneas confunde a muitos sobre as questões relacionadas ao uso de antibióticos e hormônios.

Alguns antibióticos podem, sim, ser administrados como promotor de crescimento ou aditivo melhorador do desempenho, ou mesmo para tratamentos, quando necessário. Obviamente, o uso racional deve ser priorizado. Porém, no Brasil, o uso dos antimicrobianos Tilosina, Lincomicina e Tiamulina, como melhorador de desempenho (os últimos ainda permitidos no país), foi proibido pelo MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - atendendo as recomendações da OMS - Organização Mundial da Saúde -, em um processo que vem desde 1998, com o objetivo de reduzir o uso de antimicrobianos na produção pecuária; sendo assim, desde o ano passado (2020), não é mais permitido esta técnica no país.

Em relação aos hormônios, há de ficar bem claro que não existem anabolizantes produzidos para esta finalidade. Não há como aplicar individualmente (injetável), em uma produção de larga escala. Isto tornaria o processo totalmente inviável, economicamente. Mesmo os antibióticos ou qualquer outro medicamento ou suplemento, quando necessários, são administrados através da água ou alimentação. Os hormônios seriam destruídos no trato digestivo e não seriam absorvidos; ou seja, não surtiriam o efeito desejado. Outro detalhe é o tempo que levaria para que surtisse este efeito. Qualquer hormônio anabolizante levaria até dois meses para que fizesse qualquer efeito, que viabilizasse seu uso. E todos sabemos que os frangos são abatidos em um espaço de tempo menor que este.

Enfim, o rápido crescimento e o grande desenvolvimento de massa muscular, nas aves, ocorre devido modificações ou seleções genéticas, técnicas de manejo e nutrição de alta qualidade.

O uso de substâncias em animais, no Brasil, é regulamentado pelo MAPA, conforme os decretos vigentes no país, seguindo as determinações da OMS e da FAO (Organização para Alimentação e Agricultura) e as normas do Codex Alimentarius (código criado em 1963 pela OMS/FAO que estabelece regras relacionadas à segurança alimentar, com o objetivo de assegurar boas práticas na indústria de alimentos e proteger a saúde dos consumidores).

Sei que a pergunta persiste: "Tem hormônios e antibióticos na carne de frango?"

Não! Não tem hormônios... e, antibióticos, legalmente não há, ou ao menos, não deveria...

"Ah, mas eu não acho que a carne de frango seja saudável". Meu amigo, neste mundo que vivemos - posso te garantir - nem mesmo o ar que respiramos é tão saudável... e nem mesmo a água mineral, ou os produtos que chamam de "orgânico" e que você paga tão caro. E não estou dizendo que sou contra os "produtos orgânicos"... só não gosto da terminologia, mas já é outra história. Os orgânicos são, sim, melhores que os oriundos de produção tradicional, mas não temos ar e não temos água (ou, raramente teremos) sem que haja ao menos um contaminante. Não usar agrotóxicos (ou fitossanitários, se é o termo que prefere; que seja, não muda nada), não garante que não os tenha. Obviamente, é o caminho, porém, tarde demais, para nossa geração.

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