A CASA ABANDONADA
No inverno de 1989, passei em frente a uma casa abandonada... havia folhas secas por todo o chão e o mato começava a tomar conta do jardim... folhetos e envelopes espremidos escapavam pela fresta da caixinha de correio. Pelo reflexo dos vidros empoeirados de uma das janelas, era possível ver o movimento ensandecido, o ir e vir de vidas estressadas, os cães abandonados, os carros e as motos, algumas bicicletas que por vezes ziguezagueavam por entre os carros na rua e as pessoas nas calçada - e que aborrecia os de mais idade - e um ou outro caminhão que por vezes cruzava com sua fumaça sufocante e seu barulho tão grave que fazia o reflexo oscilar...
Naquele instante fustigante, pude ver uma cidade alucinada, de alma suja como a poeira no reflexo que a mostrava, e um mundo real vazio, frio e silencioso...
A vida social ensandecida é falsidade, uma mentira...
A agitação cotidiana é devaneio...
As preocupações e apegos materiais são ilusões vazias.
O mundo real faz de você algo invisível...
A casa abandonada é um coração vazio... a ausência de amigos.
Não ter amigos é estar defronte a uma vidraça empoeirada e ver a correria de uma existência da qual você, de verdade, não faz parte.
Não ter amigos é ter a vida coberta de folhas secas, é passar os dias sendo consumido pelo mato e ter a mente ocupada por folhetos e envelopes desgastados pela ação do tempo...
Não ter amigos é uma quimera.
Esqueça os vidros empoeirados e seus reflexos sujos e ilusivos...
A agitação cotidiana, de velocidade assustadora, atropela o mundo real...
Estar sozinho é estar parado na calçada, com a cabeça cheia de mensagens vazias... folhetos cheios de acontecimentos que há tempo se foram, e envelopes com mensagens que não nos interessam mais...
Seus olhos não veem o mundo real, mas aquilo que você chama de alma - e eu, de consciente inconsciente - confunde-se com as atrocidades que se mostram pela irrealidade que insistimos em tornar parte de nossas vidas.
...
Naquele momento, pude perceber toda a poeira que nos cobre, o mato que se alastra, nossas folhas secas e os folhetos e envelopes amarelados e tão marcados pelo tempo, agora tão vazios, mas que insistem em martelar em nossa mente...
O tempo é poeira que nos cobre...
O passado é o castigo...
O inferno...
é só uma casa abandonada...
...
...
..
.